Pés de Barro
Tropeçaram um no outro num encontro inesperado. Desde aí, viveram presos um ao outro. A Mulher, bela e inteligente, bebia as palavras, aceitava as opções de vestuário, dobrava-se às escolhas de vida. Dele! Colocou-o num altar e adorou-o como um deus. O Homem, arrogante e oportunista, insinuante e pomposo, pairava nesse patamar, sobre todas as coisas. Deixava-se endeusar e adorar, do alto da sua indiferença. E foi construindo um castelo de areia, ano a ano. A Mulher apreciou a adulação, ser a companheira bela e inteligente que o Homem pendurava no braço para expor nos jantares, ufano. E as muralhas do castelo subiam, subiam. Por vezes, escorregavam das ameias uns grãos de areia que a Mulher mais que o Homem corria a recolocar no lugar, numa obsessão doentia. A casa, em que ambos iriam partilhar uma vida com os filhos que a Mãe do Homem iria educar à sua imagem e semelhança, ficou, enfim, concluída… A Mulher resolveu, sozinha por uma vez, visitá-la. Levava, à volta do coração, um círculo de dor e angústia. Desandou a chave na fechadura da porta e o círculo à volta do coração apertou-se com força e deu-lhe um rebate de dor. Entrou, sempre com aquela dor inquietante a apertar-lhe o coração. Percorreu as salas, os quartos, encarou os móveis que a Mãe do Homem comprara. A dor insistiu e ela dobrou-se sobre si própria quase sem respirar. Para permitir a entrada da luz da tarde, caminhou em direcção às grandes janelas, afastou, num repelão, os cortinados que a Mãe do Homem escolhera. O ar tornou-se irrespirável. Em assomo de força, correu para a porta, abriu-a e aspirou o ar da rua. Fechou a porta atrás de si, num estrondo seco. Desceu as escadas, direita, bela, inteligente e alegre. Já na rua, apressou o passo. Virou a esquina e desapareceu.Rendadebilros, 31/12/2006






