2006-12-13

Desafio 5ª. Edição: «Teia de Cristal»

Faltavam somente quinze dias para o Natal. Aquele seria sem sombra de dúvidas o Natal mais importante da sua vida. Ele ia chegar e finalmente iam estar cara a cara depois de tantas noites em que ambos se encontravam nos blogs. Não havia dia nenhum em que não se visitassem trocando comentários. Parecia que se conheciam desde sempre e no entanto agora vinha-lhe uma espécie de ansiedade, uma excitação expectante por ver o seu rosto, por saber que faltava pouco mais de uma semana para ouvir o som da sua voz, olhar a cor dos seus olhos, que afinal não sabia qual era. Trocavam sobretudo impressões sobre o que cada um postava, quase sempre poemas ou imagens que os iam revelando. Parecia-lhe terem tanto em comum.
Era chegado o dia de fazer a árvore de Natal. Tinha comprado novos enfeites meticulosamente escolhidos para o pinheiro natural. Não, este Natal nada podia ser artificial, tudo tinha que ser feito com muito bom gosto pois ele parecia-lhe ser uma pessoa de gostos requintados. Nada podia ser deixado ao acaso.
Colocou a árvore num belo pote de rica faiança adquirido propositadamente para o efeito. Abriu as caixas dos enfeites: belas bolas vermelhas de vários tamanhos espelhavam anjos papudos de uma brancura imaculada, fitas bordadas de oiro para ornar as extremidades com laços, brilhantes figuras em miniatura reproduziam as mais altas personagens do presépio, um luzeiro de candeias a acender e a apagar que lhe tinha custado tão caro. Sim, este Natal não tinha olhado a gastos: nada made in China, nada de plástico, tudo comprado nas mais caras lojas de decoração, nos melhores materiais: vidro e metal, sedas e rendas, brilhos e dourados.
Estava pronta, agora só faltava a estrela que os reis magos seguiram para encontrar o caminho que os levaria onde se dera o milagre. Também ela queria que ali na sua casa, repleta agora de luz, brilho e cor, se desse o milagre. Aquele homem era o seu destino, tudo levava a crer.
No dia da chegada ela própria se decorou meticulosamente dando atenção a cada pormenor do seu visual. Afinal não podia ficar atrás das belas divas que ele tinha por hábito colocar no seu blog, sofisticadas ladies que lhe faziam sentir um certo despeito que sempre dissimulava gabando a qualidade das imagens que escolhia. Aquele homem devia apreciar uma mulher que não descurasse dos mais pequenos pormenores. Ela tinha que estar à sua altura. Comprou vestidos nas mais caras boutiques, estonteantes langeries, vários pares de sapatos da melhor qualidade. Foi a um salão de beleza fazer todo o tipo de tratamentos, pintou o cabelo, deixou que lhe fizessem um corte ultra-moderno. Por fim, quando se olhou no espelho mal se reconheceu, era outra mulher. Estava pronta para o encontro.
Chegou cedo ao aeroporto, levando consigo o cartão identificador com o nome do seu blog, conforme o combinado.
O avião aterrou. Uma agitação interior percorreu todo o seu ser. Qual iria ser o cumprimento inicial? Compôs a maquilhagem não exagerando no blush com medo de corar naturalmente ao vê-lo dirigir-se a si. Como seria ele? Como seria?
Começaram a sair todo o tipo de passageiros. Os seus olhos ávidos percorriam os homens mais elegantes, à sua procura. Na mão levantada e ligeiramente trémula o cartão exibia

www.teiadecristal.blog.com

Subitamente um homem demasiado novo surgiu caminhando despreocupadamente na sua direcção. Vinha descuidado, barba por fazer, sem malas, só um saco desportivo ao ombro e a mala do portátil. Sorria despretenciosamente para ela. Incrédula, foi mirando-o de alto abaixo, à medida que se aproximava num passo flexível, ténis e calças de ganga bastante coçadas, blusão descontraído. Parou à sua frente e disse-lhe numa voz que lhe soou inesperadamente irónica: “És mesmo tu?” Inclinou-se para a cumprimentar com dois beijos triviais nas faces. Mesmo do alto dos seus saltos teve dificuldades em lhe chegar a cara. Os seus olhos tinham uma cor indefinida e pareceram-lhe risonhos pela situação.
Começaram a caminhar lado a lado. Tantas coisas que ela tinha encenado para lhe dizer e agora estava ali vazia, sem saber o que pensar. Passaram pela árvore de Natal do Aeroporto. Era um belo pinheiro natural, maior do que o dela, e estava decorado com grandes bolas douradas e enormes laços vermelhos e verdes. Ele olhou-o franzindo o sobrolho e desabafou: “Já viste? O Natal fez mais uma vítima. Que crime fazerem isto à árvore! Todos os anos é a mesma coisa! E os dourados? E os laçarotes? Uma árvore assim decorada perde toda a sua dignidade! Sabes, detesto novos-riquismos, e tu?”

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Este conto participa na 5ª edição dos desafios de criação, cujo ponto de partida é o Natal. Os participantes comprometeram-se a publicar os seus contos em simultâneo às 21horas de Portugal e às 17 horas do Brasil.


4 Comments:

Blogger isabel mendes ferreira said...

li.a sorrir. reconhecendo o ritmo da ironia.
________________como a ficção se casa com a realidade.


um final perfeito.

a d o r e i.

______________mesmo. e voltei a ler. e volto a sorrir!

excelente alegoria de natal.
nA TAL EXPECTATIVA...mt bem contada.

____________beijo.

6:38 da tarde  
Blogger tb said...

ah mas que coisa bonita fizeste. Tens que me "emprestar" o mestre... :))))
jinhos

10:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Natalício, actualíssimo...
Lindo!

6:09 da tarde  
Blogger Kaotica said...

Obrigada por terem gostado do meu conto. Quase me dão vontade de lê-lo :-)
Mas mesmo assim prefiro ficar aqui à espera que venham mais dos vossos.
Caso tenham contos (e eu sei que alguns de vós têm!) já sabem que este espaço é livre e aberto. Basta só mostrar a vontade como fizeram os outros membros e eu mando o convite para integrarem a equipa de membros e postarem à vontade. Abraços para vocês!

2:25 da manhã  

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