2007-03-08

Maria

Os pais de Maria saíram da aldeia encastrada na serra, a pé. Numa pequena mala leve levavam quase nada, a não ser os sonhos do Rio da Prata e as pampas. No comboio até à cidade grande, onde haviam de embarcar num enorme paquete, os olhos do casal evitavam-se. Iam naquela aventura ambos, mas deixavam a filha aos cuidados da avó e esse sentimento esmagava-lhes o coração. Instalados no país do tango, contavam enviar-lhe a carta de chamada, mas esse futuro era-lhes estranho e nebuloso e longínquo, tão longínquo como esse país que os atraía e os assustava.

No entanto, meses depois, assim aconteceu. Chamaram-na.

Rumo aos braços dos pais, Maria embarca, aos doze anos, num navio gigantesco. Passa a viagem, entre o espanto da distância, que se alonga em dias e dias e tanto mar, sempre o mar à sua volta e ela, pequena e insignificante no meio do mar.

Chegada à terra prometida, no abraço dos pais que a esperavam, não encontrou o descanso para a sua ansiedade. Por essa altura, os Serviços de Emigração evitavam a todo o custo que mais europeus entrassem no país. Filhos ao encontro dos pais, mulheres ao encontro dos maridos, noivas para casar, ninguém, por esses dias, teve autorização para abandonar o Centro onde os alojaram, à espera de um recurso e pedidos de última hora. Os seus pais vinham visitá-la uma vez por dia, o coração despedaçado, num desespero impotente mudo contra uma ordem absurda, tão absurda que Eva Perón veio, uma tarde, saber o que se passava e trazer alma e alento … Perante aquela visão, acreditaram que as fadas tinham descido à terra e iam resolver os problemas de todos os necessitados de auxílio. Mas a fada não tinha tanto poder como o seu perfume e os seus belos vestidos e Maria teve que regressar , em quinze dias, a Portugal, despedindo-se mais uma vez dos braços dos Pais, que, em terra, choravam lágrimas de sangue.

Durante aqueles dias, para se entreter, tinha aprendido a fazer croché e assim se manteve ocupada na viagem de volta, sem lhe interessar já a imensidão enganadora do mar. Só queria chegar a casa e acolher-se no recanto certo, junto da Avó,

Voltou a abraçar os Pais , já casada e com filhos. A viagem sem destino ficou apenas na sua lembrança para contar agora aos netos, sentada à lareira. Evita não é o ícone da Argentina das canções e dos desesperados; é uma personagem mais das suas histórias, um perfume que passou. Verdadeira é ela própria, Maria.

Renda de Bilros, 08/03/2007



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6 Comments:

Blogger Outsider said...

Bela evocação da história. O muito que devem ter sofrido as pessoas que tiveram que voltar e as que lá ficaram.
Um Abraço.

6:30 da tarde  
Blogger Laurentina said...

O amigo Arrebenta dos “TheBraganza Mothers” lançou-me o desafio para se Iniciar uma corrente de Blogues, subordinada ao tema: "AS DEZ MELHORES IDEIAS PARA CORRER COM ESTES GAJOS RAPIDAMENTE DE CENA!...Uma listagem dos “gajos” pode ser encontrada [AQUI]

Regulamento:
Cada blogue escolhe cinco blogues seus vizinhos, para espalhar a propaganda, referindo a sua origem, "The Braganza Mothers".
O desafio é breve e deve repetir apenas o pontapé de arranque do concurso: lançando a frase escolher "AS DEZ MELHORES IDEIAS PARA CORRER COM ESTES GAJOS RAPIDAMENTE DE CENA!..."
A seu tempo, se abrirá uma caixa de votações, para levar a cabo a ideia.
Propõe-se para data limite o dia 25 de Abril de 2007, único dia em que, durante 100 anos, os Portugueses do séc. XX conseguiram fazer qualquer coisa que se visse.

Se desejares entrar na corrente, estás convidado.
abraço
Beijão grande

10:10 da tarde  
Blogger Sérgio Pontes said...

Gostei imenso deste blog. tá giro!

cumprimentos de A Teoria do Kaos

1:31 da manhã  
Blogger Luiz Carlos Reis said...

Kaos,

Momentos políticos que interferem positiva ou negativamente na vida das pessoas. Mudam a história e o contexto de muitas famílias.
Conto espetacular!

Abraços!

10:08 da manhã  
Blogger Luiz Carlos Reis said...

Gostei e relí!
Abraços e Boa Páscoa!

Luiz

Oficina Cultural

4:20 da tarde  
Blogger Jorge P. Guedes said...

Uma boa história de vida, sem cores artificiais, com averdade estampada no rosto.

Parabéns Renda. Estou ougulhoso de ti!

JPG - o sineiro

1:08 da tarde  

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