2007-02-15

História de amor demasiado real para ser real

Acordei com o pé inchado, uma infecção espalhando-se pelo peito do pé, uma comichão danada, tudo quente, esponjoso e dormente. Foi este o acordar que eu dei ao meu amor no Dia dos Namorados, querem maior resistência à celebração do consumismo que este dia traz? Mas acreditem, nada melhor para pôr à prova um amor consolidado com amizade. E também para pôr à prova o nosso sistema nacional de saúde pública.
Fomos juntos para o Centro Médico de Algés, aquele tal famoso que o Isaltino prometeu para todos nós construir de novo. Estava lá um cheiro nauseabundo a casas de banho velhas e edifícios apodrecidos. Uma fila de gente cansada de estar em pé formava-se por dois guichés. O pé doía ainda mais finda a caminhada até lá. Chegou a minha vez e pedi uma consulta de urgência, contei do meu pé. A funcionária perguntou quem era a minha médica de família. Disse que essa médica já não atribuía mais consultas de recurso. Falou que as consultas de urgência eram só até às 9:00 h. Aí a minha cabeça disparou rápido pelo absurdo. Urgências só até às 9:00h? Mas as urgências não escolhem horas para acontecer. Insisti. A funcionária mandou-me ir ver na enfermagem. Lá viram-me o pé e acharam que aquilo era coisa para ser vista por um médico. Ligaram para a doutora, mas ela insistiu em não me ver. Esta doutora, tem dias, como se costuma dizer. Parece duas. Há dias em que é simpática e atenciosa. Há outros em que o monstro sai à rua para nem me querer ver.
A custo lá me dirigi para o guiché outra vez. Ninguém encontrou solução. A enfermeira chegou lá a refilar com as funcionárias que não podiam continuar a lhes passar a batata quente de falar com os médicos. Isso nem uma enfermeira tem que aguentar. Lá fora dizia pelo corredor para quem quisesse ouvir que os médicos chegavam tarde para as consultas e depois era isto, não queriam atender as urgências. Eu sabia que aquilo era uma urgência real bloqueada por falsas situações de urgência, meras consultas de recurso a outras marcadas para mais tarde. E não havia ali ninguém provido de bom senso, tirando as enfermeiras. Pedi o livro amarelo, o que fala na capa de cidadania. Primeiro tinha que preencher uma ficha que nem dava para acreditar. Uma fotocópia de má qualidade, sumida e reduzida, com montes de dados para preencher que eu asseguro que nenhum idoso conseguiria facilmente preencher. Aquilo era a primeira etapa verdadeiramente kafkiana, passo todo o absurdo da primeira parte da aventura da urgência da situação. Preenchi tudo, sentada a uma mesa que para lá estava. Depois veio finalmente o livro, ao contrário de outras situações que conheço de gente que só por falar brasileiro já não lhe passam o livro, que pena eu não estar lá para chamar um polícia para pegar o livro para nós. Não espero grande coisa daquele livro. Sei que vai vir uma resposta esfarrapadissíma de desculpabilização de toda a incompetência. Talvez mais uma promessa que as coisas estão para mudar. O que até pode ser verdade mas receio que para pior, se é que pode haver pior que isto.

Era para ir ao Hospital São Francisco Xavier, às urgências mas não quis sair de lá com uma gripe em cima e por isso não cumpri o terceiro trabalho na cruzada em defesa da saúde pública. Fui a um centro de enfermagem onde me trataram o pé e me mandaram tomar antibiótico sem poderem passar receita médica, o que está reservado aos médicos. Tive a sorte de ter aquele mesmo antibiótico ainda dentro do prazo de validade.
O meu pé ainda não melhorou, está aqui a latejar, já me caiu o curativo e já fiz outro porque vi fazer e já não preciso lá voltar para isso.
Espero do fundo do coração poder dar uma melhor noite ao meu amor do que lhe dei neste dia tão feliz de velhos namorados para quem um dia feliz de amor é poder estar junto um com o outro, quer de dia, quer de noite.

Para ti, na noite dos namorados

Kaótica, 15/02/2007

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2 Comments:

Blogger Outsider said...

O verdadeiro amor vê-se na altura da necessidade e não na altura da fartura. Que bonita maneira de homenageares o teu "namorado". A última frase é das mais bonitas e mais sentidas que já li. Parabéns aos dois pelo vosso amor!
Quanto ao maravilhoso sistema de saúde pública do nosso país, não vou comentar, pois não quero manchar uma bonita mensagem de amor, com insultos e repulsa por um sistema podre e incompetente, onde quem mais sofre(o doente) é sempre prejudicado e mal tratado.
Beijos.

4:00 da tarde  
Blogger tb said...

Minha querida,
Seja na ficção ou na realidade, a tua arte da escrita, sempre presente.
Do resto, fica o amor! :)
Beijos aos dois

6:01 da tarde  

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