2006-12-20

Barnabé

O senhor Artur chegou à sua quinta e foi soltar as ovelhas. O Verão havia sido seco e só umas poucas ervas verdejavam junto à cerca por isso elas correram para lá esfaimadas, disputando as melhores posições. Dois robustos carneiros corriam quase a par quando no seu caminho surgiu Barnabé. Barnabé era um tenro cordeiro ainda muito jovem que por ali ia meio atordoado com o movimento súbito que se gerara. No encontro os dois grandes ainda o conseguiram atingir com uma marrada desviando-o rapidamente do seu caminho. Barnabé quase rodopiou com o impacto, ficou ainda mais tonto e ainda com maior desespero procurou à sua volta a mãe. Onde estava a sua mama? Tinha ficado tresmalhado, fora do rebanho que já se consolava com as tais ervas verdinhas, e tinha fome. Ainda para mais dois irmãos, um menino e uma menina, tinham surgido do jardim do lado e ofereciam-lhes os bons manjares das videiras bravas. Ai, ai as videiras bravas… não sabia o que viam nelas. Quanto mais não valia o leitinho da sua mamã… Mas onde estava ela afinal? E chamava, chamava, berrava um Bé…bééééé repetido ainda muito inseguro e abebezado. Que vergonha ter levado aquela marrada do grandão. Ainda bem que todo o rebanho estava de costas deliciado com as coisas verdes. Olhou em redor. Tudo amarelo, tudo cor de palha, tudo palha mesmo. Uns burros é que faziam falta para limpar tudo aquilo, para comer aquilo tudo, é claro. Mas os burros estavam - ouvira o senhor Artur dizer - em vias de extensão – e por isso não eram fáceis de encontrar. Ouvia estas coisas mas afinal nem sabia muito bem se os burros existiam mesmo ou se tudo não passava de histórias que se contavam. Uma vez tinha visto uma coisa barulhenta, amarela, que devorava toda a palha seca no jardim do lado. Estava montado e por isso podia muito bem ser um burro. Vivia pois nessa incerteza: teria ou não já visto realmente um burro? Mais tarde havia de vir a saber que não. Certo de que só ali encontraria a mãe… e a mama, foi juntar-se ao rebanho. Lá eram todos diferentes, todos iguais. Uns com um corno a menos, outros com um A marcado na lã, nenhuns realmente brancos, uns poucos mesclados de negro, apenas um completamente preto, de todos ele era o mais clarinho, o mais limpinho, quase perfeito, não fosse aquele Béééééé de cana rachada. Finalmente ali estava a sua mãe, na fileira da frente mesmo junto à vedação. Mas os que era aquilo? A sua mãe deixara-se tocar pelo menino que lhe dava folhas verdinhas! Fizera-lhe uma festa como as que tão raramente lhe fazia a ela o senhor Artur. A sua mãe não tinha medo daquelas pessoas pequeninas a que se chamava meninos? Mas que coragem! Chamou-a uma vez mais e desta vez ela foi ter com ele numa corrida. O seu querido Barnabé contou-lhe só a ela da marrada e ela ensinou-lhe uns truques para lidar com esses carneiros que não respeitam os mais novos. Um dia havia de lhes dar uma lição. Barnabé sossegou e mamou, mamou e sossegou outra vez. Agora sim, sentia-se o mais forte dos cordeiros, o mais bonito, quase branquinho.

7 Comments:

Blogger Outsider said...

Que lindo conto. Quando todo o mundo parce desabar à nossa volta, é muito bom sabermos que temos o refugio do regaço da nossa mãe. Contra tudo e contra todos ela vai defendernos sempre. Adorei este conto. Tenho a certeza que as mães que lerem este conto vão-se rever na mãe do barnabé...
Beijos

P.S.- Achei delicioso o alerta para a "extensão" dos burros.

2:32 da manhã  
Blogger Kaotica said...

Outsider

Obrigada, és um querido! E olha que este conto é muito real, quase se passou assim, tal e qual, lá para os lados de Alcácer, a terra prometida para um futuro encontro do círculo!
Bjos.

2:38 da manhã  
Blogger Luiz Carlos Reis said...

Que belo conto !E cá pra nós, a alcunha de Barnabé caiu como uma luva para o protagonista.
Essa proteção materna, característica de qualquer ser vivo, engrandece ainda mais teus escritos.


Abraços!

4:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Kaotica
Que fofinho o cordeirinho do conto!!!
Bem achado os burros "em extensão"!!!
Já mandei o mail.
Um abraço.

6:10 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Muito bonito.
Vou "passar" por aqui.
O "Barnabé" é mais inteligente aqui talvez porque mama muito antes de sossegar.
Bom Natal

12:45 da manhã  
Blogger Jorge P. Guedes said...

Um bonito conto, cheio de ternura.

O Barnabé da imagem é demais. Dá-me vontade de o trazer para casa!

5:10 da manhã  
Blogger vareira said...

Gostei muito.Mais uma história linda para contar à minha devoradora de histórias de 6 anos.Parabéns

11:18 da tarde  

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