Noites do Demónio
Chegou à clareira e estacou, de repente, num equilíbrio duvidoso, abrindo e fechando os olhos. A visão turva não clareou, depois de esfregar as vistas e de abri-las, de novo. Fechava os olhos, abria-os, semicerrava-os e, no mesmo ângulo de visão perturbada dos vapores do álcool que emborcara sem conta nem medida, ali estava ele, o demónio, em figura de uma vaca gigantesca, castanha, de chifres no ar, desafiadora, no meio da encruzilhada, banhada pelo luar. Ah! Danado! Vinha o diabo do chifrudo postar-se naquela posição e impedi-lo de se arrimar a casa! T’arrenego! Cruzes! Benzeu-se, brandindo o Ti’ Chico o cajado no ar, direito ao demónio, à vaca, sabia lá ele, atarantado das pernas. Não compreendeu o que se passou: no segundo seguinte, não havia vivalma ou alma penada ou demónio na encruzilhada. Tremeu da cabeça aos pés, sem atinar se era medo se era da vinhaça… Por perto, sons tranquilos de uma noite de Lua Cheia. Apressou o passo preso, meteu-se em casa, aconchegou-se à mulher no quente dos lençóis de linho grosso e, antes de adormecer, ainda murmurou consigo: Demónio d’um raio!
Manhã cedo, cedinho, a cabeça ainda às voltas com o episódio da véspera, junto ao lume onde a mulher mexia o pó do café no púcaro de barro, entra-lhes pela cozinha dentro, afobado, o Ti’ Zé da Belga, se tinham visto a sua vaca Bonita, a danada, dera por falta dela, de madrugada, e andava a percorrer todos os casais, à procura, e nem sinais. À resposta negativa, nem esperou por uma malga de café, desandou dali para fora, quase a correr, a amaldiçoar a vaca e a vida. Não viu, portanto, o semblante pálido do Ti’ Chico, pedaço de pão com queijo numa mão, a navalha na outra e boca escancarada… Demónio da vaca!!!
2 Comments:
Olá renda!
Mais um belo conto que nos trazes. Conseguiste juntar num só conto uma boa história e os costumes, lugares e tradições das aldeias do nosso interior. Muito Bom.
Mostraste que quem apanha a "cabra" assusta-se com a vaca... :)
Beijos.
Episódio muito engraçado, contado com ritmo e com cores nas palavras.
Gostei do demónio da vaca!Eheheh!....
Um grande abraço.
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