Férias demasiado reais para serem férias
-- Sim, desta vez estive mesmo mais de um mês fora daqui. Sabes bem como eu estava a precisar de mudar de ares.
-- Faço ideia… Isso é que foi folgar! Há gente com sorte!
-- Mas olha que escusas de invejar as minhas férias porque estou certa de que para ti não serviam.
-- Oh, lá estás tu com essas choraminguices. Aposto que me vais dizer que te fartaste de trabalhar…
-- Eu para ti nunca me farto de trabalhar pois sabes bem que estou desempregada e tu só vês trabalho à frente.
-- Isso é porque não te esforças a procurar trabalho, vens sempre com esse paleio de que mais vale desempregada do que mal empregada. Eu tive que penar se quis ter este emprego…
-- Pois, eu sei. Mas chegas a casa e se quiseres não fazes jantar, comes um prato de cereais e estendes a perna, vais de férias e não fazes nenhum. Uma mãe de família nunca tem realmente férias…
-- Já sabia que ias dizer isso! Vens sempre com essa conversa de dondoca…
-- Pois então vou contar-te como foram as minhas férias para tu te ficares para aí a roer de inveja.
-- Sim, querida…
Não tinha horas para nada, aliás, não tinha relógio. A manhã era toda para dormir, como se fosse possível recuperar todos os sonos perdidos. Tomava-se o pequeno-almoço à hora a que as pessoas normais almoçam. Mas, como o que mais se fazia era comer e dormir, não consegui evitar as idas ao supermercado. Isso era o que mais me custava! Porque não há-de o nosso estômago entrar também de férias e fazer jejum? Qual o quê, o ar do campo só faz é abrir o apetite, então às crianças… no primeiro dia nota-se logo. As férias são cada vez mais como o Natal – as férias são para elas! Bem, passado o tormento de ter que ir regularmente abastecer-me de víveres, havia toda uma rotina que jamais me abandonou: fazer as refeições todas, as sandes para a praia, a sopa para a noite; manter a casa mais ou menos limpa, apesar de toda a areia trazida da praia; lavar e estender sempre muita roupa e a difícil tarefa de fazer andar tudo num virote, que é o papel ingrato que cabe a todas as mães.
A ida para a praia era sempre depois das cinco horas e nunca aos fins de semana. O regresso ao pôr do sol e sempre a angústia de passar demasiado tempo enfiada em casa apesar da varanda, da piscina insuflável e da cama de rede cá fora. Felizmente houve quem as gozasse!
Sabes, a minha gata Bué teve outra ninhada (essa é outra que não tem férias, coitada). Desta vez bateu o seu próprio record e teve cinco lindos gatinhos amarelos, outra vez filhos do mesmo pai (sacana de gato!). Quando não está a parir está a amamentar, quando não está a amamentar está a fazer mais filhos: três ninhadas num ano, sem dar tempo a laquear as trompas. A bicha é mesmo produtiva, parece que emprenha só com o cheiro…
Mesmo em férias chegava à noite estafada. Quantos filmes comecei a ver e adormeci… será que vi algum inteiro? Às vezes adormecia a ver um e acordava para ver o resto de outro. Cheguei a dar umas espreitadelas pelos blogues mas depois desistia. Sabia das notícias, lia o jornal, ia sabendo das coisas mas não me sentia nem um pouco motivada para escrever sobre nada. E sabes que ainda não me apetece? Tenho andado com vontade de ler mas de uma forma tão dispersa que dei por mim a ler cinco livros ao mesmo tempo sem terminar nenhum. Também não me forcei!
Dei umas voltas pelo Alentejo, poucas mas boas. Até fui ao fluviário de Mora onde não nos fizeram desconto por não nos considerarem... uma família!
E olha que ainda assim sendo tudo tão normal me custou a voltar à normalidade. A minha vontade era ficar por lá… ficar para sempre no Alentejo a fazer-me campónia e a distanciar-me das misérias e das vaidades da capital.
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