Maria

No entanto, meses depois, assim aconteceu. Chamaram-na.
Rumo aos braços dos pais, Maria embarca, aos doze anos, num navio gigantesco. Passa a viagem, entre o espanto da distância, que se alonga em dias e dias e tanto mar, sempre o mar à sua volta e ela, pequena e insignificante no meio do mar.
Chegada à terra prometida, no abraço dos pais que a esperavam, não encontrou o descanso para a sua ansiedade. Por essa altura, os Serviços de Emigração evitavam a todo o custo que mais europeus entrassem no país. Filhos ao encontro dos pais, mulheres ao encontro dos maridos, noivas para casar, ninguém, por esses dias, teve autorização para abandonar o Centro onde os alojaram, à espera de um recurso e pedidos de última hora. Os seus pais vinham visitá-la uma vez por dia, o coração despedaçado, num desespero impotente mudo contra uma ordem absurda, tão absurda que Eva Perón veio, uma tarde, saber o que se passava e trazer alma e alento … Perante aquela visão, acreditaram que as fadas tinham descido à terra e iam resolver os problemas de todos os necessitados de auxílio. Mas a fada não tinha tanto poder como o seu perfume e os seus belos vestidos e Maria teve que regressar , em quinze dias, a Portugal, despedindo-se mais uma vez dos braços dos Pais, que, em terra, choravam lágrimas de sangue.
Durante aqueles dias, para se entreter, tinha aprendido a fazer croché e assim se manteve ocupada na viagem de volta, sem lhe interessar já a imensidão enganadora do mar. Só queria chegar a casa e acolher-se no recanto certo, junto da Avó,
Voltou a abraçar os Pais , já casada e com filhos. A viagem sem destino ficou apenas na sua lembrança para contar agora aos netos, sentada à lareira. Evita não é o ícone da Argentina das canções e dos desesperados; é uma personagem mais das suas histórias, um perfume que passou. Verdadeira é ela própria, Maria.
Renda de Bilros, 08/03/2007
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